Todos nós já fizemos (e também já sofremos) alguma brincadeira sobre o “dia da mentira”, geralmente sem nenhuma grande repercussão nas vidas das pessoas.
Segundo o Wikipedia, uma das origens atribuídas à data, remete a uma brincadeira na França, relativa a mudança de celebração do ano novo. No Brasil se diz que a data começou a ser difundida em Minas Gerais, por um periódico chamado “A Mentira”.
Até bem pouco tempo a mentira de 1º de abril não passava de uma brincadeira juvenil, de pequena abrangência e direcionada a uma única pessoa.
Entretanto, com a difusão dos meios eletrônicos de comunicação a mentira, e não só a de 1º de abril, passou a ter dimensões exponenciais e repercussões brutais, de ordens pessoais e profissionais.
Vivemos atualmente uma era de avalanche de informações, com uma velocidade impossível de se alcançar e acompanhar. Esse excesso certamente prejudica a veracidade e qualidade da informação acessada.
Some-se a isso o fato das plataformas digitais estarem cada vez mais “inteligentes” e nos trazerem fatos e notícias cada vez mais próximas do comportamento que revelamos em nossas navegações.
Assim, reforçam-se comportamentos e crenças pessoais, independente da notícia ser verdadeira ou falsa.
Inclusive essa “crença” desmedida é denominada “pós-verdade”, a qual pode ser conceituada como a ‘atribuição de importância a versões verossímeis de fatos, com apelo às emoções e às crenças pessoais, em detrimento da apuração da verdade’ ou o que se ‘aceita como verdadeiro, devido à forma como é apresentada e repetida, apesar da ausência de fundamento’ (Dicionário Priberam).
Nesse último aspecto, aproxima-se da “falácia pela autoridade”, ou seja, aquela que atribui valor a partir de quem a pronuncia.
Um exemplo muito claro diz respeito ao nosso momento presente (esse texto foi escrito quando a Pandemia do Coronavírus era o centro de todas as discussões no país), no qual grande parte dos cidadãos defendem posição A ou B a partir de quem proferiu a informação, sem se preocupar com evidências factuais ou científicas, para resolução do problema existente. E isso gera muitos debates e desavenças.
Em reforço a essa situação temos as Fake News, aquelas notícias falsas espalhadas indiscriminadamente (às vezes de maneira ingênua) e que se alastram de forma incontrolável.
É fato que todos nós já repassamos Fake News e, talvez, continuaremos a fazê-lo. Recebê-las é indubitável que as receberemos. Independente da forma, se ingênua ou dolosa, trata-se de ato que pode desaguar em ações penais.
Inclusive, desde 2019, temos na Câmara dos Deputados uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) denominada “CPI das Fake News”, fruto das últimas eleições presidenciais, tamanha sua influência nas campanhas eleitorais.
Para se ter noção da gravidade do fato, pesquisa do MIT (EUA) afirma que ‘as notícias falsas se espalham 70% mais rápido que as verdadeiras e alcançam muito mais gente’ (Publicado na revista Science em 03/2018).
Além disso, como se não bastasse o compartilhamento das mentiras pura e simplesmente, a tecnologia é grande aliada no incremento de seu potencial danoso. Por meio do “deepfake” é possível criar vídeos, utilizando imagens e voz de pessoas, totalmente falsos. Porém, com alta fidedignidade.
Importante também destacar que, muitas vezes, essas fake news e as deepfakes são usadas para coleta de dados pessoais (phishing) e cometimento de fraudes. Nessas ocasiões o criminoso apresenta uma notícia falsa e induz as pessoas a clicarem em links maliciosos ou mesmo fornecer dados pessoais.
Dentre as informações coletadas estão senhas de diversas plataformas e dados de cartão de crédito. De posse das informações os criminosos chantageiam os titulares dos dados ou fraudam bancos e comércios eletrônicos.
Considerando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é especialmente recomendado que as organizações tenham políticas de governança e fortaleçam seus níveis de proteção dos dados que coletam.
Para que não sejamos vítimas ou até disseminadores de mentiras é muito importante estarmos atentos a todo e qualquer link e solicitação de informações recebidos, seja por e-mail, redes sociais ou até mesmo por contato telefônico. Não forneça dados pessoais indiscriminadamente ou além daqueles necessários para a finalidade do ato a ser praticado. Sempre confirme a veracidade dos conteúdos recebidos antes de repassá-los a terceiros.
Essa é a nova “faceta” do dia da mentira, mas agora atuando 7 (sete) dias por semana, 24h (vinte e quatro horas) por dia, com área geográfica mundial.
Observação: Texto originalmente escrito para Associação Internacional Law Talks e publicado em 01 de abril de 2020. Disponível em: https://www.facebook.com/associcaolawtalks/photos/a.2239119756135999/2874851852562783/?type=3&theater